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A POSSIBILIDADE DE RECONVENÇÃO PARA DISCUSSÃO DE FRAUDE CONTRA CREDORES EM EMBARGOS DE TERCEIRO

Pedro Guilherme Alves de Faria¹

 

Os embargos de terceiro são um tipo de intervenção judicial pela qual o proprietário ou possuidor a justo título de determinado bem pode desconstituir um eventual ato constritivo judicial realizado sobre o seu bem. Em outras palavras, é o meio de defesa do proprietário que tem algum bem atingido por ordem judicial constritiva como uma penhora, por exemplo.

Para o Professor Araken de Assis, os embargos representam um remédio para desembargar, desembaraçar ou separar bens indevidamente envolvidos no processo alheio.²

Ocorre que, não raramente, o Embargado necessita discutir eventual fraude contra credores quando da oposição dos embargos de terceiro.

Fraude contra credores é o nome conferido a atitude do devedor que esvazia seu patrimônio de forma simulada, unicamente no intuito de ludibriar seus credores. Em outras palavras, o devedor simula um ou mais negócios jurídicos exclusivamente para alegar à seus credores que não possui patrimônio para saldar suas dívidas – já que os vendeu. A fraude contra credores, quando constatada, é motivo de anulação do ato jurídico simulado, nos termos do Art. 158 e ss. do Código Civil de 2002.

Quem atua no cotidiano forense sabe que é comum que o credor consiga localizar determinado bem em nome do devedor e, ao proceder com os atos constritivos necessários – averbação de penhora, Renajud, CNIB, etc... – um terceiro surge invocando ser o real proprietário ou possuidor do bem constrito.

 
   

Como visto, o meio desse terceiro opor-se ao ato constritivo é pela oposição de embargos de terceiro, cabendo ao credor, agora Embargado, contestar a demanda. Ocorre que pela sistemática do CPC/73 e pelo entendimento fixado pelo STJ na súmula 1953, não seria possível nem a discussão de fraude contra credor, nem a oposição de reconvenção, em sede de embargos de terceiro.

Anote-se que a principal alteração nos Embargos de Terceiro trazida pelo CPC/15 está no Artigo 679 do diploma vigente, que afirma o seguinte: os embargos poderão ser contestados no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual se seguirá o procedimento comum. (Grifos Nossos)

A determinação de que os Embargos de Terceiro seguirão o rito do procedimento “comum” abre espaço para o renascimento de uma discussão que até então se encontrava pacificada no âmbito jurisprudencial brasileiro: Seria cabível reconvenção para discussão de fraude contra credores em sede de Embargos de Terceiro ?

Neste ponto é necessário um parêntese para explicar que este informativo é construído a partir de um pressuposto de que a discussão de eventual fraude contra credor demandaria necessariamente a oposição de reconvenção, não bastando somente a alegação como forma defensiva para caracterização da fraude.

Entendemos assim porque a discussão sobre a ocorrência da fraude contra credores extrapolaria os limites da via estreita dos embargos de terceiro. Fatalmente esta discussão demandaria a análise de fatos e questões que extrapolam os limites do Art. 674 do CPC/15 os quais, se alegados somente de forma defensiva, gerariam uma decisão conflitante ao passo que reconhecendo a improcedência dos embargos com fulcro na fraude contra credores, deixaria de anular o ato jurídico simulado por não haver pedido expresso nesse sentido, perpetuando a existência de ato antijurídico.

Lado outro, entendemos também que a possibilidade de ofertar reconvenção para discussão da fraude contra credores em nada fere o princípio do contraditório diferido, ao contrário, o garante e o dá eficácia em consonância com diversos outros princípios aplicáveis, como o da celeridade e eficiência processual.

 
   

Mas, voltando ao assunto - possibilidade de oposição de reconvenção -, temos que pela redação do CPC/73, após a fase de contestação, os embargos de terceiro seguiriam o rito especial previsto para as medidas de natureza cautelar, o que impediria o oferecimento de reconvenção por incompatibilidade procedimental.

Apenas a titulo de esclarecimento anote-se que a reconvenção é uma espécie de “contra-ataque” do Embargado/réu em desfavor do Embargante/Autor dos embargos de terceiro e, para sua oposição, deverá haver conexão entre as razões dos embargos de terceiro e da reconvenção proposta.

Este entendimento inclusive havia sido reconhecida pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do Recurso Especial N. 1.578.848 de relatoria do eminente Ministro Villas Bôas Cueva.

O Ministro Villas Bôas Cueva, seguido em unanimidade pela turma, entendeu que haveria incompatibilidade de procedimentos entre o rito reconvencional e o rito especial atribuído aos embargos de terceiro, inviabilizando assim a existência simultânea dos institutos. Nas palavras do Ministro4:

Essa exigência – de compatibilidade de procedimentos – decorre do fato de que as ações (principal e reconvencional) terão processamento conjunto, não se admitindo a prática de atos apenas em uma das demandas, sob pena de causar tumulto processual e retardar a prestação jurisdicional. (...)

O próprio Ministro em seu voto já previa a possibilidade do renascimento da discussão em tela quando da entrada em vigor do CPC/2015. Vejamos:

“alterando profundamente a sistemática anterior, passou a prever, além da possibilidade de reconvenção e contestação em peça única (artigo 343), a adoção do procedimento comum após a fase de contestação nos embargos de terceiro (artigo 679), o que certamente reascenderá a discussão em torno do cabimento da reconvenção nas demandas ajuizadas sob a égide do novo diploma”.

Assim, com a entrada em vigor do CPC/15, entendemos que com a previsão expressa de que os embargos de terceiro seguirão o rito comum após a apresentação da contestação, não há óbice para que o Embargado apresente ação reconvencional por ocasião de sua defesa.

No mesmo sentido o entendimento do Professor Fredie Didier Jr5:

"(...) O procedimento para a demanda reconvencional tem de ser compatível com o procedimento da causa principal, tendo em vista que ambas serão processadas conjuntamente. Aplica-se aqui, por analogia, a regra do inciso III do § 1º do art. 327 do CPC, que impõe a compatibilidade de procedimento como requisito para a cumulação de pedidos. Em procedimento especial, vale a regra de que, se se tratar de procedimento especial que se converte em ordinário após o prazo de defesa, cabe reconvenção.”

Nesse cenário, entendemos que caso o terceiro fraudador oponha-se a constrição legítima do credor, por meio de embargos de terceiro, não será necessário o ajuizamento de ação pauliana por parte do credor embargado que poderá, por meio de reconvenção, discutir fraude contra credores.

Entendemos que o entendimento aqui defendido é o que melhor se alinha aos princípios da celeridade processual, ampla defesa, contraditório diferido, da segurança jurídica, da concentração dos atos defensivos, da eficiência, entre diversos outros, sendo medida imperativa que a súmula 195 do STJ seja revisitada por aquele tribunal com brevidade para passar a admitir a oposição de reconvenção em embargos de terceiro, inclusive para discussão de fraude contra credores.

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1 Pedro Guilherme Alves de Faria é Advogado sócio fundador da FFNS – Sociedade de Advogados, graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás, foi membro integrante da Comissão de Direito Tributário e de Direitos Huma- nos da OAB/GO, pós-graduando em Advocacia Cível pela Escola Superior da Ad- vocacia da OAB/MG e em Direito e Processo Tributário pela Escola Paulista de Direito.

2 Manual da Execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 17ª Ed., 2015, p. 1394).

3 SUMULA 195 – STJ - “Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores”.


4 STJ, 3ª T., REsp n. 1.578.848-RS, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 19.6.2018, DJe 25.6.2018.

5 DIDIER JR. Fredie, Curso de direito processual civil: introdução ao di- reito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18. ed. Salvador: Jus Podivm, 2016, pág. 671