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A Prisão Civil do Devedor de Alimentos em Tempos de Coronavírus (Covid-19)

Conjuntura jamais vivenciada por esta geração, o Coronavírus provocou uma profunda crise na humanidade, tornando-se o maior desafio das nossas vidas a ser superado, notadamente por sua capacidade de atingir, incisivamente, as relações humanas de (con)vivência. A confiança é colocada em dúvida quando a insegurança é fomentada pela ausência de previsibilidade quanto ao futuro.

A alteração nas relações sociais causadas pela pandemia, por consequência, atinge o Direito, em muito dos seus aspectos e institutos, não somente no âmbito das relações contratuais/negociais, como também o Direito de Família, especialmente quanto às ações de alimentos sob rito de prisão civil - em desfavor do devedor de alimentos – art. 528, §3º do Código de Processo Civil de 2015.

A Resolução n. 313, do Conselho Nacional de Justiça, suspendeu os prazos processuais até o dia 30 de abril de 2020, excluindo apenas algumas demandas da mencionada suspensão, submetendo-as ao plantão extraordinário. Ocorre que, dos casos de exceção listados, o deferimento, ou indeferimento, da prisão civil do devedor de alimentos não se enquadra em nenhuma das exceções pontuadas na Resolução 313 do CNJ. Diante desta vacatio, a grande dúvida emerge: deve ser a prisão civil do devedor de alimentos, em regime fechado, deferida neste momento de crise sanitária?

Com o advento da pandemia, somado aos graves problemas que afligem o sistema prisional brasileiro, o Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão (19 de março), foi além e, em observância a Recomendação n. 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça - que autoriza a substituição da prisão em regime fechado do devedor de alimentos pelo regime domiciliar, tendo por escopo evitar a propagação da doença – determinou que um devedor de alimentos deixasse a prisão civil em regime fechado e passasse ao regime de prisão domiciliar, como medida de contenção da pandemia causada pelo coronavírus.

A doutrina e a jurisprudência há tempos mitigam a prisão civil em algumas hipóteses específicas – como naquelas envolvendo pessoas idosas  – com fundamento no art. 139, inc. IV, do Código de Processo Civil e Enunciado n. 599, aprovado na VII Jornada de Direito Civil. Todavia, a peculiaridade do caso, enfrentado pela Ministra Fátima Nancy Andrighi, demonstra a ponderação entre a efetividade da tutela e a dignidade da pessoa humana, sob a ótica de que a manutenção da prisão do devedor de alimentos poderia colocar em risco a sua própria saúde, também podendo aumentar ainda mais a crise institucional dos presídios, em razão da pandemia do coronavírus.

A Resolução n. 314 do CNJ, recentemente publicada, determina o retorno dos prazos processuais eletrônicos (judiciais e administrativos) a partir do dia 04 de maio de 2020, o que por consequência coloca fim a dúvida trazida pela Resolução n. 313 do CNJ quanto à possibilidade de deferimento da prisão civil do devedor de alimentos.

Noutro norte, vale o lembrete, inobstante a possibilidade de deferimento da prisão civil do devedor de alimentos, cumpre ressaltar que a batalha contra a pandemia do coronavírus ainda persiste e não tem previsão de término, sendo assim, é dever não só da prestação jurisdicional, mas também de cada ser humano, em suas múltiplas relações – sociais – ponderar, preservar e fomentar os ideais de cooperação, solidariedade e dignidade da pessoa humana, em detrimento a busca inexorável de responsabilização civil.