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ANÁLISE PRINCIPIOLÓGICA SOBRE A TEORIA DA IMPREVISÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA

Em virtude dos reflexos econômicos da pandemia causada pela COVID 19 muito se tem visto discutir acerca de revisionais de contratos.

Nas mais diversas áreas do Direito a pandemia têm causado impactos de precedentes desconhecidos e, até o presente momento, não se tem um posicionamento jurisprudencial definido acerca do tema, fazendo com que Advogados(as) e Magistrado(as) tenham de se debruçar sobre as peculiaridades de cada caso para formular seus pedidos e decisões.

Neste cenário, ao nosso sentir, é imprescindível que qualquer revisão contratual passe pela análise de quatro princípios basilares do Direito Contratual, são eles: O princípio da Obrigatoriedade dos Contratos; o princípio da Função Social do contrato; o princípio da Conservação do contrato; e o princípio do equilíbrio econômico do contrato.

Assim, em primeira análise, temos que o princípio da Obrigatoriedade dos Contratos, pelo qual o contrato deve obrigatoriamente ser cumprido pelas partes, tem relevante aplicabilidade em qualquer discussão contratual.

Este princípio serve, primeiramente, para garantia da segurança jurídica dos contratantes, garantindo que as partes não poderão se esquivar das obrigações assumidas em contrato, bem como, servindo como norte para as decisões judiciais que versem sobre eventuais impossibilidades de cumprimento de cláusulas contratuais.

Contudo, evidentemente existem cenários em que o cumprimento do contrato se torna extremamente dificultoso, ou até mesmo impossível. Trata-se da teoria da imprevisão.

Aqui, válido um parêntese para explicação dessa teoria.

Pela teoria da imprevisão, como bem abordado por Rogério Lauria Marçal Tucci em artigo publicado sobre o tema:

“(...) os contratos firmados no âmbito do direito privado podem ser revisados (e até mesmo resolvidos) se e quando eventos imprevisíveis, não conhecidos quando da celebração da avença, tornarem suas prestações excessivamente onerosas a um dos contratantes.(...)”

(TUCCI, Rogério Lauria Marçal. Alterações imprevisíveis das circunstâncias: impactos contratuais. 01 de Abril de 2020. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-abr-01/rogerio-tucci-alteracoes-imprevisiveis-circunstancia)

Note-se que o elemento essencial e indispensável para que seja determinada a revisão ou a resolução contratual é a presença de um fato imprevisível.

Para conceituação de fato imprevisível, podemos utilizar do enunciado 366 da IV Jornada de Direito Civil, segundo o qual "o fato extraordinário e imprevisível causador da onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação".

No nosso entender, a pandemia causada pela COVID 19 pode ser plenamente caracterizada como fato imprevisível, atraindo assim a incidência da teoria da imprevisão, o que levaria a revisão ou resolução contratual.

Pois bem, em resumo você deve ter entendido até aqui que o contrato faz lei entre as partes e que existem situações em que, devido a fatos imprevisíveis, poderão implicar na revisão e/ou rescisão do contrato.

Certo. Mas como decidir se devemos optar pela revisão ou pela rescisão do contrato? É justamente neste ponto que entendemos pela incidência dos demais princípios anteriormente mencionados.

Os princípios da conservação do contrato e da manutenção do equilíbrio econômico do contrato entram em conflito quase sempre que defrontados à teoria da imprevisão.

Isto porque, enquanto o princípio da conservação do contrato garante que as partes devem empreender os esforços necessários para conservação do objeto contratual, garantindo que aquele contrato atinja sua finalidade (função social), temos que o princípio do equilíbrio financeiro do contrato veda que as partes sejam mantidas em um contrato em que não há mais um equilíbrio econômico entre as obrigações.

De maneira rasa, exemplifiquemos o caso de uma empresa inquilina de um imóvel comercial, que teve sua atividade afetada em razão dos decretos governamentais que instituíram o isolamento social.

Neste caso, temos que a depender da atividade desempenhada por tal empresa, podemos ter noção do real impacto das medidas de distanciamento em sua rotina. Por exemplo, uma concessionária de veículos será muito mais afetada pelas medidas de isolamento social do que uma empresa distribuidora de medicamentos e insumos hospitalares que, provavelmente, terá seu faturamento aumentado no cenário de pandemia.

Neste contexto é que a análise principiológica deverá atuar.

Não nos parece atender aos princípios da função social e do equilíbrio econômico do contrato, permitir que a concessionária de veículos usada no exemplo chegue a uma situação de insolvência e encerramento das atividades em virtude do amontoar de dívidas de um aluguel que simplesmente não consegue pagar por conta dos efeitos da pandemia.

Também não nos parece atender o princípio da conservação do contrato, permitir que tal contrato de locação seja simplesmente rescindido de forma antecipada, isentando a concessionária das obrigações contratuais assumidas, pois, neste caso, a situação se inverteria e o Locador que até então possuía a certeza da renda oriunda da locação passaria a ser o único afetado pelas medidas de isolamento social.

Salientamos que neste ponto seria necessária uma análise cuidadosa da situação econômica do locador, que poderá ser mais ou menos afetado, caso tenha o imóvel em questão como meio principal de auferir renda ou caso seja um investidor com grande carteira de imóveis.

Assim, temos que a atuação dos Advogados e do Judiciário neste momento deve ser o de garantir a conservação e o equilíbrio econômico dos contratos, tentando evitar ao máximo a rescisão contratual forçada, pois acreditamos que este momento será passageiro e brevemente poderemos retornar às atividades produtivas.