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Os desdobramentos contratuais em tempos de pandemia

Por se tratar de uma enfermidade com pouco índice de mortalidade, a velocidade de contágio do coronavírus é surpreendente, criando uma demanda por assistência hospitalar além da capacidade dos governos, sendo que, grande parcela das mortes, deve-se à falta de infraestrutura para satisfazer a súbita e crescente demanda.

Diversos outros países impuseram medidas de controle de entrada e saída de pessoas, suspensão de atividades que envolvam aglomerações, e assim também no Brasil, onde aulas foram suspensas, academias, indústrias e shoppings fechados e eventos cancelados, fomentando a população a permanecer em casa, em respeito ao isolamento social, para abrandar os impactos do contágio e não sobrecarregar o sistema de saúde.

Ocorre que a chegada do novo coronavírus – tecnicamente chamado de COVID-19 – transformou-se em uma pandemia de repercussões jamais imaginadas, as quais também atingiram os contratos e negócios jurídicos, vez que estas restaram comprometidas em razão das medidas governamentais sugeridas, e outras impostas.

Diante desse cenário a economia e o comércio arrefeceram e, por consequência, contratos perderam sua utilidade – pelo menos para uma das partes. Sendo assim, o questionamento reiterado é sobre a possibilidade de rescisão e/ou revisão do contrato, em virtude do cenário de colapso nas relações sociais. De fato, seria possível a rescisão ou revisão contratual? Seria possível o inadimplemento contratual sem recair quaisquer dos ônus contratuais?

O sistema atual prevê instrumentos que permitem a revisão ou resolução contratual como: a) teoria da onerosidade excessiva; b) frustração do fim da causa do contrato; c) exceção de inseguridade; d) alegação de caso fortuito; e) a exceção do contrato não cumprido, e; f) o instituto da impossibilidade da prestação.

Noutro norte, o sistema também prevê mecanismos com vistas à manutenção do que foi previamente pactuado no contrato, como: a) a recém promulgada Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019, a qual reforça a autonomia da vontade da partes (força obrigacional dos contratos); b) função social do contrato interna e externa; c) a boa-fé contratual; d) princípio da intervenção mínima do Estado, e; e) influência das regras relativas ao inadimplemento.

Os argumentos aqui descritos podem ser utilizados de maneira contraposta nas demandas relativas à pandemia, visando a revisão, resolução ou manutenção das cláusulas contratuais – salvo se existir cláusula contratual específica em contrário.

Todavia, a melhor solução para os contratos em tempo de pandemia deve emergir de uma análise específica do impacto suportado por cada contrato, devendo sopesar as teses conflitantes através de um juízo de razoabilidade proveniente do princípio da boa-fé objetiva, tendo por escopo o equilíbrio entre os pactuantes, possibilitando a continuidade dos contratos agora e no futuro – após o término do cenário de risco imediato infeccioso.

De fato, não se sabe a dimensão dos impactos oriundos da COVID-19, porém, urge salientar que, não só durante a crise, mas também após o seu término, enormes serão os desafios quanto as questões contratuais. Sendo assim, importante ressaltar que neste momento a cooperação, solidariedade e boa-fé serão ferramentas essenciais para mitigação dos prejuízos e manutenção das relações contratuais, fomentando a reestruturação socioeconômica, dispensando assim os mecanismos acima mencionados e utilizados em um confronto judicial para extinção ou revisão contratual.