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RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE PESSOA FÍSICA

            José da Silva, empresário há 18 (dezoito) anos, passa por uma severa crise econômico-financeira, quiçá a maior do seu negócio. Para não ser chegar ao extremo de “fechar as portas” de seu estabelecimento foi orientado e logo se viu obrigado a recorrer à um pedido de recuperação judicial nos moldes da lei 11.101/2005, que regula além da recuperação judicial também a extrajudicial e falência de pessoas jurídicas. A lei responsável pela extinção do instituto da concordata possui como principal condão a recuperação de créditos da empresa devedora e por conseguinte a retomada da atividade empresarial, renegociando dívidas, concedendo prazos e condições especiais para pagamentos das obrigações, suspendendo o curso de possíveis ações e execuções, além de outros meios expressos em seu Art. 50.

            Todavia, não bastasse a trágica situação econômica encontrada pela atividade empresarial do personagem nessa narrativa, também passa por uma calamidade financeira sem precedentes na vida pessoal (pessoa física), desencadeado pelas inúmeras integrações de capital em seu negócio e que não surtiram os efeitos esperados.

            A frase: “Sr. José da Silva, aguardamos o seu contato para a regularização de seu débito” passou a estar presente até em sonhos. Ligações, e-mails, cartas e cobradores em sua casa, viraram rotina. Prestações de casa e carro, todas atrasados. As crianças não teriam mais aulas em cursinho de inglês e tampouco em reforço escolar. Celular pós-pago, TV a cabo e internet em casa, viraram luxos que não se pode mais permitir. Créditos bancários foram exauridos de forma proporcional ao crescimento da dívida com cheque especial. Até mesmo itens básicos como água e luz seriam adimplidos apenas na iminência do corte. Mesmo cumprindo toda vida com suas as obrigações tributárias e sociais, encontra-se agora totalmente desamparado. A dramaticidade está evidenciada aos fatídicos acontecimentos em razão de sua grave situação econômica, sem recurso, o nosso personagem questiona-se sobre a possibilidade em recorrer ao mesmo instituto de sua atividade empresarial, pedir recuperação judicial de sua pessoa física e tentar equilibrar-se em suas finanças, seria isso possível?

            É certo que a chamada nova lei de falências (11.101/2005) está constituída de princípios basilares que justificam medidas que corroboram à recuperação econômico-financeira de uma empresa, como o da função social, por exemplo. No caso da pessoa física, além da própria função social, está intrínseco o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, auxiliando no equilíbrio econômico e até psíquico do devedor.

            No direito comparado[1], mais precisamente no ordenamento jurídico americano, a possibilidade de reestruturação do insolvente pessoa física é previsto através do instituto da National Bankruptcy, mais conhecido como a New Bankruptcy Code, Lei da Bancarrota, instituído em 1978, em seu capítulo 13 “Reajuste dos Débitos de uma pessoa de Renda Regular”. É cediço que o direito empresarial norte americano foi pioneiro quanto trata-se da recuperação de empresa nos moldes que vemos hoje em dia, preocupando não só com a recuperação dos créditos, mas dando suporte necessário à sequência da atividade empresarial e tão logo cumprindo com seus princípios propostos. Igual forma se faz com a possibilidade de recuperação de créditos da pessoa física, que segue o mesmo rito da recuperação da pessoa juridica e pode ser requerida pelo próprio devedor ou pelo credor.

            Após a regulamentação da LREF (Lei de Recuperação de Empresas e Falências) em 2005 alguns doutrinadores civilistas e do direito comercial passaram a discutir a possibilidade de instituir no ordenamento jurídico brasileiro a questão da recuperação de créditos da pessoa física. Dessa forma, em 2011, através do projeto de Lei 1.922/11 do deputado Fábio Faria (PMN-RN) foi apresentado o texto que dispõe da “recuperação judicial do devedor pessoa física”[2] que até então faria parte integrante, caso fosse aprovado, no título IV, capítulo I-A do Código de Processo Civil de 1973. Vale colacionar o primeiro dispositivo abordado no projeto:

Art. 753-A. O devedor pessoa física que estiver em estado de insolvência pode requerer, antes da declaração desta, a recuperação judicial, que consistirá em plano de pagamentos periódicos até a satisfação total das obrigações. Parágrafo único. A recuperação somente será concedida se, a critério do julgador, restar comprovada a capacidade do devedor de adimplir as obrigações com aumento de prazos, de acordo com estudo de viabilidade econômica.

            A essência procedimental e as regras da LREF fazem parte integrante do texto do projeto de lei em comento, fazendo crer que a eficiência do instituto voltado agora para pessoas físicas seria semelhante ao da pessoa jurídica. Lamentavelmente o projeto está estagnado no congresso nacional aguardando apreciação há mais de 6 (seis) anos.

            A questão da insolvência civil é um processo análogo ao processo da falência, mas com previsão legal tanto no CPC/73 como também no CPC/15 em seu Art. 1.052, sendo matéria de julgados recentes pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal[3], apesar de raro, decretando a insolvência civil de um morador que devia um certo valor para a empresa (R$56.000,00) e perdendo seus direitos em administrar os próprios bens, sendo nomeado judicialmente um administrador para que pague eventuais dívidas aos credores durante 5 anos.

            Dessa forma, voltando ao caso hipotético de José da Silva, uma vez comprovado que o seu patrimônio não corresponde ao valor da dívida, tão logo, é possível que seja declarada a sua insolvência e consequente renegociação de dívidas, ainda que não seja o ideal. De todo modo, acredita-se a partir desse momento numa maior celeridade quanto à regulamentação do plano para recuperação de créditos de pessoas físicas com o ideal de minorar os altos índices de inadimplências comerciais, fazendo valer princípios constitucionais e consequente estímulo à atividade econômica e desenvolvimento social. Além da própria segurança jurídica do instituto.

            Para os interessados no assunto, pode-se dizer que ainda estando numa fase embrionária, com pouco ou nenhuma doutrina que aborde o assunto exigindo uma discussão e estudo aprofundado, existem no ordenamento jurídico brasileiro algumas normas que permitem com certa semelhança o fim almejado da recuperação judicial, como por exemplo, o do parcelamento do débito previsto no Art 916 e obrigatoriedade de uma audiência de conciliação ou mediação previsto no Art. 334, ambos previsto no Código de Processo Civil/2015. Não obstante, em razão de constantes modulações e entendimento adversos nas cortes pátrias, nada impede um requerimento em sede processual para que se valha alguns efeitos específicos da LREF em busca do equilíbrio econômico-financeiro do devedor e quem sabe auferir o fim almejado.

 


[1] LOBO, Jorge. Da recuperação da empresa no direito comparado. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1993. 

[2]http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=904065.

[3] Informações obtidas à partir do site: http://www.valor.com.br/legislacao/4132642/juiz-do-distrito-federal-declara-insolvencia-de-pessoa-fisica?utm_source=newsletter_manha&utm_medium=14072015&utm_term=juiz+do+distrito+federal+declara+insolvencia+de+pessoa+fisica&utm_campaign=informativo&NewsNid=4132982. Acesso em 20 de Abril de 2017 às 20:43.

http://www.infomoney.com.br/minhas-financas/planeje-suas-financas/noticia/2293701/devedor-pessoa-fisica-pode-ter-beneficio-semelhante-lei-falencias. Acesso em 22 de Abril de 2017 às 22:08. 

Lei 11.101/2005. 

Lei 13.105/2015.

CRFB/88.